Brasil tem dez regiões produtoras da bebida protegidas por indicação de procedência e denominação de origem
O Brasil conta atualmente com dez territórios reconhecidos pela notoriedade na fabricação do vinho (indicação de procedência) ou pelas características únicas da bebida, resultado do meio geográfico – elementos naturais como clima, solo e altitude, combinados com o conhecimento humano – configurando uma denominação de origem. A região Sul concentra maioria das indicações geográficas do vinho brasileiro. Do total, seis ficam no Rio Grande do Sul, estado com maior produção e tradição vinícola do país, e uma em Bituruna, no Paraná, além dos Vinhos de Altitude e o Vale da Uva Goethe, ambas em Santa Catarina (veja detalhes no infográfico a seguir). Recentemente Pinto Bandeira também ganhou o status de Denominação de Origem.
O vinho do Vale: o primeiro terroir a ser protegido
Poucas invenções são tão entrelaçadas às mãos do criador e à terra onde nascem e poucas se misturam tanto à história da humanidade como o vinho. Com o Vale dos Vinhedos, não foi diferente. A arte de fazer vinhos brasileiros foi escrita com a tinta da imigração. O ano era 1875. Milhares de italianos cruzaram o Atlântico para encontrar na Serra Gaúcha paisagens muito semelhantes às suas origens. Vinham principalmente da Lombardia, Tirol e Vêneto. O ciclo imperial de imigração de Dom Pedro II abrira os portos para europeus num esforço de povoar áreas desabitadas, incluindo o Rio Grande do Sul. Até 1914, acredita-se que 84 mil italianos se instalaram no estado. Mais do que pessoas em movimento, imigrações transferem modos de viver. O Vale dos Vinhedos, que só foi assim chamado mais de 100 anos depois, é equação perfeita da cultura italiana em solo brasileiro. Não foi a primeira tentativa de plantar uvas no Rio Grande do Sul.
Nos idos de 1600, jesuítas portugueses trouxeram videiras espanholas. A viticultura desapareceu junto com os padres após a chegada dos bandeirantes. Um século mais tarde, portugueses tentaram novamente, desta vez com vinhas de origem lusitana, mas elas não se adaptaram ao clima. As primeiras videiras de fato produtivas eram de origem americana, do tipo Isabel, e foram cultivadas por imigrantes alemães. Com base nessa experiência, os italianos conseguiram reproduzir no Brasil o costume de criar uvas. A princípio, para subsistência e comercialização. Os vinhos só eram feitos para consumo próprio. Foi assim por longos anos, até mais ou menos a década de 1980, com a profissionalização de vinícolas maiores.
A abertura do mercado para importações na década de 1990 foi tanto um baque quanto uma alavanca para o vinho brasileiro. As vinícolas familiares surgiram como alternativas para as propriedades que tradicionalmente plantavam uvas para revender às cooperativas e estavam sendo afetadas pela crise. Outros dois fatores contribuíram para a proliferação de vinícolas. As grandes modernizaram a produção e o vinho nacional deu um salto, atraindo atenção internacional. A década de 1990 também marcou o começo do flerte do paladar brasileiro com o vinho em meio ao que ficou conhecido como paradoxo francês, em que cientistas discutiam o papel benéfico do vinho tinto na saúde de um povo que, tradicionalmente, consome muita gordura.
O Julgamento de Paris
A importância de criar um ecossitema dedicado ao vinho ficou evidente diante do sucesso extraordinário do Napa Valley, polo viniviticultor da Califórnia, nos Estados Unidos. O Napa é um divisor de águas para a explosão de vinhos do Mundo Novo e conquistou seu lugar no mapa depois que o Cabernet Sauvignon da Stag’s Leap, de Warren Winiarski, desbancou concorrentes franceses de Bordeaux e Borgonha, celeiros de rótulos centenários, em uma degustação às cegas em 1976. O caso ficou conhecido como O Julgamento de Paris mudou radicalmente a visão que o mundo e os próprios norte-americanos tinham do vinho californiano. Numa visita ao Napa Valley, os produtores brasileiros, liderados por vinícolas tradicionais, como Miolo, Casa Valduga, Dom Cândido e Dom Laurindo, se deram conta da necessidade de investir no fortalecimento da identidade do Vale dos Vinhedos, promovendo o enoturismo e trabalhando a reputação do vinho de lá. Eis que entra em cena a indicação geográfica.
O reconhecimento da qualidade do vinho da região foi uma busca coletiva, que começou a se estruturar oficialmente em 1995, com a fundação da Associação de Produtores de Vinho Fino do Vale dos Vinhedos (Aprovale). No ano seguinte, com a aprovação da Lei de Propriedade Industrial (LPI) e a estreia da legislação brasileira sobre indicação geográfica, o movimento ganhou fôlego. No ano 2000, a associação entrou com pedido de Indicação de Procedência para vinhos tintos, brancos e espumantes da região. O registro veio dois anos depois e o Vale dos Vinhedos se tornou a primeira indicação geográfica brasileira. Quem vive na região se lembra das provas e concursos que se seguiram à conquista, com mais 60 rótulos com Indicação de Procedência disputando para ver quem era o melhor. A Denominação de Origem dos vinhos e espumantes serviria de prova para o mercado, sobretudo o nacional, que o produto brasileiro tem qualidade. Ainda que em concursos e listas internacionais, os rótulos brasileiros pontuassem bem (e cada vez melhor, diga-se de passagem), chamando a atenção de compradores estrangeiros, o Brasil teimava em associar vinho nacional à baixa qualidade. A Denominação de Origem saiu do papel em 2012. A Aprovale conseguiu demonstrar que as uvas Merlot e Chardonnay cultivadas no perímetro do Vale dos Vinhedos têm características únicas. As regras para designar uma Denominação de Origem são bastante rígidas. Só é permitido utilizar uvas cultivadas dentro dos limites do Vale e elas devem ser plantadas exclusivamente em espaldeiras, de maneira a crescer no sentido vertical, por exemplo.
Com Agência CNI
Brasil tem dez regiões produtoras da bebida protegidas por indicação de procedência e denominação de origem