Um olho no negócio, outro no mundo
Fico sabendo que a Chocolates Prawer, de Gramado (RS), começou a nascer quando seu fundador, em viagem de passeio a Bariloche, enxergou semelhanças entre as duas cidades turísticas. Com uma diferença: na argentina, havia uma forte produção de chocolate artesanal sem equivalente por aqui – e tratou de aproveitar a oportunidade de iniciá-la no município gaúcho (Zero Hora, 16/04/22).
Foi em um evento internacional de mídia, nos Estados Unidos, que Nelson Sirotsky percebeu não haver futuro para a Rádio Gaúcha fora da segmentação em notícias e esporte. E propôs ao pai, Maurício, a mudança de programação que a alçaria à liderança do AM qualificado no estado, conforme conta em sua autobiografia (“O oitavo dia”, 2018).
Um pioneiro da internacionalização da indústria brasileira, com parcerias nos Estados Unidos e no Japão, Paulo Vellinho, ex-presidente da Springer, é taxativo quanto ao valor de um rolê de negócios: “uma viagem de trabalho bem aproveitada se paga mil vezes” (“O realizador de um sonho chamado Springer”, 2018, p. 171).
O que os três exemplos têm em comum? Se o leitor acha que é a relevância das viagens para os negócios, acertou. Mas se for mais a fundo e responder sobre a importância de olhar para fora do cercadinho de uma empresa ou de um mercado, não só acerta como ainda ganha uma estrelinha.
Uma obviedade?
Nem tanto. Pegue-se o caso da Inbev, a maior fabricante mundial de cervejas. Obsessiva com corte de custos e ganhos de produtividade, a companhia de origem brasileira não percebeu a movimentação dos consumidores em direção às bebidas artesanais. Quando se deu conta, restou ao seu maior acionista, Jorge Paulo Lemann, confessar-se “um dinossauro assustado” e correr atrás do prejuízo, adquirindo rivais.
Por quê? Bem, empresas são como pessoas. Contêm em seu código genético dois conjuntos de instruções que, a despeito de conflitantes, são essenciais à sobrevivência: aquelas que as impelem a cuidar do próprio jardim, ocupando-se da rotina conhecida e repetitiva, e aquelas que as levam a correr o mundo em busca de novidades. Empresas que ignoram o primeiro conjunto caem na falha da inconsistência e da imprevisibilidade; as que escorregam na segunda arriscam-se a estagnar, deixar de evoluir.
Como dificilmente um mesmo executivo é afeito às duas posturas, o ideal é que nas direções combinem-se perfis mais voltados “para dentro” com outros, mais preocupados com o que acontece fora. De tempos em tempos, de acordo com o momento da trajetória da organização e do mercado, ou conforme o próprio cenário econômico, a proeminência de uns e de outros vai se alternando.
Porque, como escreveu recentemente o jornalista Zeca Camargo, emérito viajante, “o que buscamos como turista é sempre uma experiência que não temos em casa” – o que não é motivo, claro, para descuidar-se dela.
Um olho no negócio, outro no mundo