…nem compramos como os nossos pais
O designer gaúcho Fernando Jaeger, dono de uma marca de móveis que leva seu nome, deu uma declaração interessante mês passado: “Como alguém pode comprar um sofá pela internet? Na foto pode parecer lindo, mas pode ter erro de ergonomia, o tecido pode ser uma porcaria e por aí vai. Não tem jeito, um produto do tipo só dá para comprar ao vivo” (Valor Econômico, 25/11/2022).
Será? Vinte anos atrás, quando o comércio eletrônico engatinhava, especialistas de diversos setores concordavam com Jaeger, e estendiam o rol de inviabilidade para compra online a roupas, sapatos, bens de luxo, itens de supermercado e tudo o que dependesse de experimentação ou avaliação in loco antes de adquirir.
O tempo se encarregou de desmentir essas previsões todas, o que nos obriga a perguntar: por quê?
Há várias explicações possíveis, claro. Uma delas é que se superestimou o interesse e a disposição dos consumidores para comprar certos itens. Grosso modo, uma compra pode ser vista como um problema ou uma oportunidade. Problemas precisam ser resolvidos de modo prático, direto e, preferencialmente, barato. E a internet facilita enormemente aquisições desse tipo.
Muitos produtos que, na infância do e-commerce, supunha-se exigir envolvimento e dedicação para ser adquiridos, eram, na verdade, um incômodo para boa parte dos consumidores, que se dirigiam às lojas apenas por obrigação. Tão logo puderam substituir a visita ao shopping ou ao supermercado por alguns cliques, assim o fizeram.
Evidentemente que esse movimento não teria sido tão bem-sucedido se não houvesse um empurrão do lado da oferta: políticas de devolução amigáveis, capazes de mitigar o risco de comprar a distância; surgimento do showrooming e variedade de meios de pagamento tiveram papel nada desprezível nesse resultado.
Além disso, a internet e o smartphone geraram novos comportamentos, imprevisíveis duas décadas atrás. Não apenas substituíram ou complementaram atividades “reais”, como também criaram novas, inclusive de consumo. Unboxing, lives, hiperdocumentação, tutoriais, memes, podcasts – a lista é longa e só vem a comprovar que, como afirmava Marshall McLuhan, “os homens criam as ferramentas, e as ferramentas recriam os homens”.
Ou, para ficar numa paródia da MPB, hoje não somos os mesmos nem vivemos como os nossos pais – e, justamente por isso, não compramos sofás (nem uma porção de outras coisas) do mesmo jeito que eles.
…nem compramos como os nossos pais