Mercado de TI catarinense garimpa desenvolvedores

Estimativa da Acate é que pelo menos 12 mil vagas sejam abertas no setor nos próximos dois anos – metade são para programadores

O índice crescente de vagas abertas é específico para os cargos de desenvolvedores, os responsáveis por escrever os códigos que fazem os softwares rodarem em computadores e celulares

Quarto maior mercado de tecnologia do país em faturamento – são R$ 17,7 bilhões anuais – Santa Catarina vive os dois lados da moeda com a expansão do setor nos últimos anos e o avanço da digitalização de serviços impulsionada pela pandemia. Enquanto empresas atraem compradores, como a RD Station e a Neoway, cada uma adquirida por R$ 1,8 bilhão por Totvs e B3, respectivamente, a falta de mão de obra especializada é considerada a principal trava para o crescimento do setor.

Pesquisa divulgada pela Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) em julho revela que em 2021 foram abertas 4.561 vagas por empresas de tecnologia em território catarinense. E a demanda vai continuar alta nos próximos dois anos. Foram estimadas 5.364 vagas em 2022 e 6.687 vagas em 2023.

Dentro deste gargalo que ainda atrapalha o setor e atinge estado crítico no contexto de pós-pandemia, o índice crescente de vagas abertas também é específico para os cargos de desenvolvedores, os responsáveis por escrever os códigos que fazem os softwares rodarem em computadores e celulares.

Em 2021 foram 2.554 vagas abertas, enquanto no ano que vem serão pouco mais de 3 mil, e em 2023, serão 3.745. Os DEVs Full-Stack, Back-End e Front-End, segundo a pesquisa da Acate, são as funções mais demandadas pelas empresas catarinenses e representam mais da metade dos postos indicados como necessários para os negócios.

No nível básico um desenvolvedor pode receber a partir de R$ 2,5 mil. Mas esse rendimento pode crescer rápido ao longo do tempo caso o profissional se mantenha empregado. Um técnico mais experiente pode ganhar entre R$ 8 mil e R$ 15 mil, além da oportunidade de trabalhar para empresas de fora do país com salários em dólar.

E há oportunidades para iniciantes ou mesmo quem ainda mal conhece a linguagem de programação. Um exemplo é o administrador e músico Michael Nascimento, que ficou sem renda com a pandemia e decidiu usar o tempo em casa para estudar e buscar uma recolocação profissional.

Natural de São Paulo, mas vivendo em Joinville (SC) há anos, ele já tinha alguma fluência com o universo de TI: desde os 13, brincava com montagem e manutenção de redes e recentemente tinha desenvolvido um site de música por conta própria. Ao sair de uma empresa em 2019, decidiu que a programação seria um plano B. Mas veio a pandemia. “Fiquei completamente sem ter o que fazer e preenchi o tempo livre estudando até 14 horas por dia. Eu estava muito comprometido e, quanto mais estudava, mais me interessava por tecnologia”, conta ao Portal AMANHÃ.

Foi quando surgiu a oportunidade de participar do DEVinHouse, um programa de formação de desenvolvedores criado em parceria entre o SENAI/SC e a Acate. Antes mesmo do curso terminar, ele já estava efetivado como um dos novos “devs” da Softplan, uma das maiores empresas de TI do Sul e que patrocinou a turma que foi piloto do projeto.

O resultado do programa surpreendeu a empresa patrocinadora da primeira turma. “Nossa meta era contratar 10 alunos, em uma turma de 40 pessoas, que tivessem condições de iniciar a carreira como programadores e acabamos contratando 12 dos treinandos. E outros já foram contratados por outras empresas do mercado”, recorda Moacir Marafon, cofundador e hoje membro do conselho de administração da Softplan.

“Esse modelo em que a empresa participa desde a estruturação da grade curricular, disponibilizando mentores durante o curso para que os alunos tenham a oportunidade de exercitar na prática os conhecimentos adquiridos e resolvendo problemas reais, é a melhor forma de manter o engajamento dos alunos, reduzindo desistências e contribuindo para que já cheguem na empresa jogando”, conclui o empresário, que também é vice-presidente de talentos da Acate.

Até o momento, foram abertas cinco turmas do DEVinHouse, com participação de empresas do ecossistema de tecnologia local, como ContaZAP, Teltec Solutions, BRy, Involves, PariPassu, Pixeon, Way2, Paradigma, além da Softplan. E há mais empresas interessadas em patrocinar futuras turmas.

Neste ano, pelo menos 300 pessoas devem participar dos cursos, que terão turmas em Blumenau e Joinville – além de um forte interesse de outras regiões, do Sul ao Oeste de Santa Catarina. Neste programa, realizado em formato síncrono, a meta é formar 300 alunos. No ano que vem devem ser 800 e cerca de 2 mil em 2023.

Os empresários locais se reuniram com o governador Carlos Moisés em julho. O governo catarinense anunciou a criação de um grupo de trabalho envolvendo as secretarias de Educação, Administração, Desenvolvimento Econômico Sustentável, de Assuntos Internacionais e da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesc) para auxiliar na criação de estratégias de médio e longo prazo.

“Esse modelo em que a empresa participa desde a estruturação da grade curricular é a melhor forma de manter o engajamento dos alunos, reduzindo desistências e contribuindo para que já cheguem na empresa jogando”, afirma Moacir Marafon, cofundador da Softplan e vice-presidente de talentos da Acate

Blumenau, cidade pioneira
Os cursos mais básicos para formação de um programador ou desenvolvedor variam entre três e seis meses. Em Santa Catarina, além de instituições como Senai e universidades, há também empresas especializadas na formação para o mercado como a Proway. A cidade de Blumenau, no Vale do Itajaí, já tem um histórico de 50 anos no desenvolvimento das primeiras empresas de base tecnológica do estado. Polo pioneiro no setor em Santa Catarina, também foi onde surgiram as primeiras iniciativas de formação especializada para o mercado.

“No início dos anos 2000, percebemos que as empresas de tecnologia de Blumenau estavam se digladiando em função da mão de obra escassa. Era um ciclo vicioso, que além de causar essa disputa tornavam os profissionais locais caros, prejudicava o equilíbrio financeiro e os produtos”, lembra Sergio Tomio, diretor da Proway, empresa de treinamento para o setor de TI.

Tomio foi um dos formuladores do Entra21, programa sem custos aos alunos que hoje é referência nacional em capacitação e já formou mais de 4,7 mil jovens (cerca de 300 por ano) e adultos entre 16 e 29 anos. A iniciativa é voltada a moradores de Blumenau e região, e atende também pessoas com deficiência, imigrantes e até mesmo quem está acima da faixa etária, mas que busca um reposicionamento no mercado de TI.

O programa, que atualmente custa em torno de R$ 1,7 milhão, é bancado pela prefeitura de Blumenau, governo de Santa Catarina e empresas privadas. A criação do Entra21 foi fundamental para o município fortalecer sua posição como polo formador de profissionais de tecnologia e também atraiu grandes empresas, nacionais e internacionais.

“Logo que decidiu instalar a unidade aqui, a alemã T Systems contratou 20 funcionários que passaram pelo Entra21. A Philips, que comprou uma empresa local, também ficou em Blumenau, onde tem mais de 1 mil funcionários, em função dos programas de empregabilidade. E a Ambev, em oito meses, formou 211 pessoas em sete especializações diferentes”, calcula Sergio, que também esteve à frente de entidades associativas locais, como a Blusoft (que gerencia o Entra21 e hoje é um polo regional da Acate) e o Instituto Gene.

Oportunidades para edtechs
O ecossistema de inovação em Santa Catarina transformou um dos seus principais entraves de crescimento em novas oportunidades de negócios para edtechs, empresas que usam tecnologia para criar soluções de educação e formação profissional. E algumas delas já foram adquiridas por companhias nacionais de maior porte. Neste mês a Rocketseat, escola de formação para programadores criada em 2017 em Rio do Sul, no Alto Vale catarinense, foi comprada pela Digital House, empresa argentina que também atua na área de educação para tecnologia e marketing digital. A aquisição pela empresa platina foi de R$ 150 milhões e envolve desembolsos em dinheiro e troca de ações.

Em julho passado, a startup/escola de programação paulista Trybe anunciou a aquisição da catarinense Codenation, formada há pouco mais de três anos. Ambas empresas atuam no mesmo mercado: a capacitação, por meio de cursos, de profissionais de programação. A Codenation tem um modelo voltado à demanda de grandes empresas (como Itaú, Stone e Quinto Andar, entre outras) que depois contrataram alguns dos formados.

E há uma nova geração de edtechs surgindo, como a StackX, empresa criada no final de 2020 em Joinville e que tem sede no Ágora Tech Park. A startup usa uma plataforma digital que forma desenvolvedores juniores num período de seis meses e encaminha os novos profissionais ao mercado.

Outro diferencial é que só depois que o aluno só paga pelo curso depois de estar empregado – o valor total é de aproximadamente R$ 5,4 mil, parcelados em 18 meses. Atualmente a empresa tem 230 alunos, a grande maioria deles de cidades do Norte de Santa Catarina. Os 30 primeiros alunos que chegaram ao final do programa já foram contratados.

No momento, a empresa estuda parcerias públicas com as prefeituras, na sua sede, Joinville, e outras do Planalto Norte como Rio Negrinho e São Bento do Sul. Também está em conversas com os governos de Santa Catarina e do Piauí. O objetivo é capacitar pessoas nessas cidades para aumentar a empregabilidade nos municípios e, consequentemente, elevar a renda local dos municípios.

A empresa participa do programa de capacitação Startup SC, além de ter sido uma das selecionadas pelo programa do Sebrae e Fapesc que concedeu R$ 50 mil para egressas do Startup Summit. “Lapidamos nosso modelo de negócio e gestão, desenvolvendo uma plataforma que possa ser escalável para atender à demanda de mercado. Nosso foco está no nível junior. Em seis meses de curso o aluno está apto a entrar numa empresa como desenvolvedor”, explica o fundador da StackX, Fabiano Dell Agnolo.

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