Lanterna na proa?

Estar preparado não é o mesmo que traçar planos

É preciso “construir colchões de segurança, como economias extras, planos de contingência”, além de “manter a disciplina em tempos bons”

Acadêmicos costumam dizer que diferentes obras “dialogam” quando tratam de assuntos semelhantes ou complementares, conduzindo a uma conclusão, ou, mesmo, abrindo novas vias de interpretação. Cavoucando meus arquivos, encontrei duas matérias antigas da Exame que, de alguma forma, conversam entre si – e cujos insights venceram o teste do tempo.

A primeira, de dezembro de 2011, fala de empresas que traçavam cenários para a década que se iniciava. “Como será seu negócio em 2020?”, perguntava a reportagem, para em seguida exemplificar: na fabricante de aviões Embraer, até o ano anterior “os planos de longo prazo contemplavam um horizonte de cinco anos”. Naquele momento, no entanto, havia um grupo de executivos “(…) responsável por definir a estratégia para os próximos 15 anos”.

Futurologia pura? Não exatamente, apressava-se em esclarecer a publicação: “[o] máximo que qualquer companhia pode fazer é desenhar cenários possíveis”, uma vez que “[o] ideal é definir ao mesmo tempo um plano para os próximos dois ou três anos, com medidas de curto prazo, e outro identificando tendências como novos negócios”. E, claro, submeter o material a revisões periódicas (Exame, 28/12/2011, p. 137-8).

Um ano depois, ao comemorar seus 45 anos (05/12/2012), a revista abria espaço para Jim Collins, guru dos negócios que, em entrevista, esclarecia:

“Existe uma grande diferença entre montar um plano e se preparar. Nas empresas que se dão melhor em meio ao caos, existe uma visão muito clara de que não dá para prever (…) e não dá para fazer planos detalhados. (…) Montar um plano quer dizer que você sabe exatamente o que vai acontecer e precisa determinar minuciosamente o que fazer a respeito. Preparar-se significa que você não sabe o que está por vir, mas estará pronto para o que vier” (p. 113 e 114).

O que significaria “estar preparado” para aquilo que, por definição, não se sabe o que é? Jim Collins soa meio óbvio, mas nem por isso infrutífero. É preciso “construir colchões de segurança, como economias extras, planos de contingência”, além de “manter a disciplina em tempos bons”, resistindo “à tentação de avançar demais quando o mercado está bom”. Afinal, “os melhores líderes” são “conservadores do ponto de vista financeiro. Pegos pelas crises, tinham reservas financeiras para resistir” (p.114).

Da publicação dessas matérias para cá, o Brasil mergulhou em crises políticas e econômicas, impichou uma presidente, realizou a maior operação anticorrupção de sua história e elegeu um candidato improvável ao seu cargo máximo, enquanto a China presenteava o mundo com uma pandemia e a Rússia, com uma guerra. Cenários que provavelmente sequer foram tangenciados por qualquer guru ou executivo da época, mas que impactaram todos os negócios a seu tempo. E só confirmaram as assertivas de ambos os textos, ao sugerir que prever é inútil, traçar planos contém limitações por natureza e o único antídoto é estar preparado – mesmo que isso signifique, ainda nas palavras de Collins, cultivar uma desconfortável “paranoia produtiva”.

Estar preparado não é o mesmo que traçar planos

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