Passou da hora de industrializar os interiores do Brasil
Compensa para produtores de lã de ovino da região do Pampa Gaúcho venderem para a China, como fazem há muitos anos seus vizinhos uruguaios? Essa pergunta de um criador foi feita na 34ª Fenovinos (Feira Nacional Rotativa de Ovinos, de 8 a 12 de junho, em Alegrete, no Rio Grande do Sul), e a resposta é a mesma para todos os produtos agropecuários e florestais: não, no século 21 não compensa exportar nada “in natura”, ou apenas beneficiado, para a China, nem para nenhum outro país. Passou da hora de industrializar os interiores do Brasil, para transformar as matérias-primas (como lã de ovino) e, a partir delas, exportar “n” produtos.
A Ásia concentra mais de 40% do total de ovinos do mundo; a China 30% do consumo e o maior rebanho (187 milhões de cabeças, equivalentes a 15,9% do total mundial em 2019), seguida de longe pela Índia (75 milhões), Austrália (74,7 milhões) Sudão (52,5 milhões) e Irã (48,8 milhões). Grande exportadora de carne de ovino para os países da Ásia Central, a China é também grande importadora de carne e lã – há muitos anos, compra praticamente toda a produção uruguaia (que sempre contou com a participação discreta da lã gaúcha).
Enquanto na Ásia nos últimos 40 anos aumentou o consumo, a produção e o comércio de ovinos – principalmente na China –, no Pampa Gaúcho ocorreu o contrário, com o rebanho caindo de 12 milhões de cabeças para 3 milhões. Em compensação, a região inovou com a produção de vinhos finos, tendo conquistado em 2020 a indicação geográfica de procedência, diferencial significativo, e há poucos anos começou a produzir azeite de oliva, novidade que logo deverá alcançar todos os municípios do Pampa.
Essas e outras possibilidades de negócios com a China, tendo como foco inicialmente uma ou duas cidades chinesas, foram debatidas no auditório do parque de exposições onde ocorria a Fenovinos, na manhã do dia 10, pelos prefeitos dos municípios integrantes do Consórcio de Desenvolvimento do Pampa (Codepampa) – Alegrete, Bagé, Barra do Quaraí, Caçapava do Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Lavras do Sul, Manoel Viana, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do Livramento, Santa Margarida do Sul, São Borja, São Gabriel, Uruguaiana e Vila Nova do Sul.
As semelhanças geográficas entre o Pampa e o norte-noroeste da China podem contribuir para a efetivação de intercâmbios entre a Unipampa e universidades dessas regiões, e a realização de negócios, principalmente exportações e investimentos. O “know-how” do Pampa Gaúcho em carne bovina de qualidade é valorizado em províncias e regiões autônomas chinesas (como a Mongólia Interior), nas quais a pecuária tem grande importância econômica, assim como os avanços tecnológicos na geração de energia com carvão na China podem ser úteis em Candiota.
Dinamizando a economia regional com indústrias diversas, economia criativa, turismo rural e outras atividades econômicas além das tradicionais, através de cooperação com empresas, universidades e governos municipais da China, o Codepampa poderá conseguir rejuvenescer a população dos seus municípios, hoje com percentual elevadíssimo de pessoas idosas. Alegrete, por exemplo, em maio de 2022, tinha 28,8% do seu eleitorado com 60 anos de idade ou mais. Em 2035, é possível que mais da metade do eleitorado de Alegrete sejam pessoas idosas, porque agora 54% do seu eleitorado tem 45 anos de idade ou mais.
Alterar o cenário demográfico no Pampa Gaúcho em 2035 será possível com inovação econômica (ir além das atividades agropecuárias e florestais tradicionais); políticas públicas inovadoras, para estimular jovens recém-formados a trabalharem nas cidades da região; e transporte rápido de passageiros (ferroviário e aéreo) para as cidades-polo e a região metropolitana de Porto Alegre, aumentando a conectividade entre pequenos e distantes municípios e grandes cidades.
Sobre essas questões, e sobre a venda de lã de ovino do Pampa Gaúcho para a China, é melhor conhecer o que a China está fazendo nos interiores do país, com o seu programa de vitalização rural, em vigor desde 2018 – pouco depois do congresso sobre a situação da agricultura, ocorrido em 2016, no qual a pergunta não-respondida, sobre a intensa migração rural-urbano, desde os anos 1980, foi “quem vai produzir comida?”.
Passou da hora de industrializar os interiores do Brasil