É possível abolir a figura do chefe?
Não dá para falar em um movimento, até porque faltam exemplos claros de adeptos da novidade. Mas o unbossing – termo para definir empresas que dispensam a figura do chefe e tomam as decisões de maneira colegiada – propicia algumas reflexões. A primeira: abolir chefias significa eliminar a hierarquia? E, em caso positivo, é possível a uma empresa conservar-se “horizontal” mesmo depois de crescer? A julgar pelo que escreveu Harold J. Leavitt na Harvard Business Review de março de 2003, não.Segundo o especialista, a hierarquia “talvez seja inerente a nossa natureza”, pois atende aos anseios humanos por ordem e segurança (p.72). E se companhias embrionárias valorizam a agilidade, à medida que crescem clamam por estabilidade e previsibilidade. É justamente nesse cenário que a hierarquia se impõe como “o melhor mecanismo (…) para consecução de tarefas complexas” (p. 76).
Uma outra especialista vai no mesmo sentido. “Tudo bem quanto às equipes autogerenciadas quando tudo é objetivo (…). No caso de tarefas complexas, porém, você precisa de alguém para gerenciá-las” (Lynda Grattom, in: Stern & Cooper, “Mitos da Gestão”, Autêntica Business, 2018, p. 215). Como e por que, então, o unbossing poderia prosperar? Bem, uma organização pode dispensar um comando formal, mas conservar lideranças tácitas. Sempre há um integrante da equipe a quem se recorre em caso de dúvidas sobre decisões importantes, questões técnicas sensíveis ou meros dilemas operacionais. Este pode não ser o chefe oficial numa startup, mas provavelmente acabará alçado à condição quando a companhia crescer. E, numa empresa madura, funciona como uma referência incontornável, seja pela expertise, seja pelo tempo de casa. E mesmo que eventualmente não detenha o título, detém o status. Há, portanto, uma hierarquia.
A despeito dessas limitações, o unbossing pode oferecer duas vantagens que o justifiquem. A primeira é a proximidade com a execução. A hierarquia põe gestores a uma distância segura (e perigosa) do dia a dia, apartando-os da vida real. E, segundo Henry Mintzberg, “o topo é o pior lugar de onde gerenciar uma organização”. A solução? “Tente, em vez disso, o chão” (Stern & Cooper, p. 142). Nada mais ‘chão’ do que unbossing e assemelhados. A segunda tem a ver com a prática de uma política salarial menos desigual. Diferença elevada entre os maiores salários e a média da companhia “gera excesso de competição interna, disputas agressivas por cargos e poder, desmotivação e sentimentos de injustiça, (…) além de diminuição da empatia e da coesão da equipe”, disse um especialista entrevistado pela Folha de São Paulo (07/04/2023). É de supor que o unbossing e seus genéricos contemplem “horizontalidade salarial” também, o que fortaleceria o espírito-de-corpo. Mas já que o assunto é falta de chefe, vale perguntar: e a ausência de dono, como afeta uma companhia? Como fica a cultura organizacional numa empresa sem controladores? Assunto para o post da próxima semana.
É possível abolir a figura do chefe?