Companhias modernas buscam modelos de negócios de vendas recorrentes
Por Fausto Reichert*
Empresas de todo o planeta desafiam o tempo, buscando uma maior segmentação de seu público-alvo — ou seja, clusterizando e fragmentando os clientes. Isso leva a uma imensa granularidade de especificações, baseada em dados. É o que alguns chamam de microssegmentação. As organizações passaram a desenvolver produtos e serviços hiperpersonalizados e, assim, surge outro grande desafio: o custo com baixos volumes, reduzindo a escala de produção, vendas e distribuição.
Certamente, num futuro próximo, será possível utilizar a hiperpersonalização e o tratamento de dados, tornando cada cliente único. Quando as companhias tiverem acesso aos dados de escaneamento do DNA de seus consumidores, poderão colocar isso em prática. Mas como fica o desafio de custo por escala?
Cadeias produtivas B2B
As empresas têm buscado, através dos dados, compreender o comportamento e provocar desejos. Assim, criam a necessidade de seus produtos para os consumidores finais. Porém, em sua grande maioria, os produtos são baseados em produção de alta escala, baixo custo e distribuição global.
A captura de dados leva as empresas de tecnologia a oferecerem mais informações relevantes e insights sobre os consumidores para as organizações, que retornam com novas linhas de produção e novos produtos, estes cada vez mais microssegmentados.
Há um grande desafio nesse modelo, que está levando à baixa produtividade e a um alto custo dos produtos. A era industrial, de grandes escalas e baixos custos, praticamente findou-se, proporcionando benefícios imensos em qualidade de vida humana e uma longevidade quase inimaginável cem anos atrás. Por outro lado, gerou uma série de problemas ambientais, com montanhas de lixo que tentamos literalmente enterrar em cada cidade.
Atuar numa cadeia produtiva global, fornecendo produtos e serviços para empresas, tornou-se um desafio ainda maior. Isso porque as linhas de produção exigem lotes de produção cada vez menores, e esse efeito tem impactado na logística, produção e distribuição, elevando o custo final dos produtos.
Empresas excluídas pelo Product Market Fit
No B2B, usa-se o conceito de Product Market FIT (PMF) — ou, numa tradução até simplória, produto ideal para o cliente ideal. Por consequência, isso cria as empresas excluídas por FIT: aquelas que deixam de acessar ou ter ofertas de serviços de várias companhias, por não estarem no perfil ideal de escala de algumas organizações. Isso também é uma hiperpersonalização, mas agora focada em volume de crescimento da própria empresa de serviços.
No segmento de serviços, quanto mais padronizados os serviços e menor o escopo de necessidades atendidas, maior será sua capacidade de escalar as vendas e o atendimento. Para chegarem ao verdadeiro PMF, as empresas executam testes e validação de teses, e a hiperpersonalização está diretamente inserida neste contexto. O objetivo é ter o domínio ou a liderança de uma fatia deste mercado hiperpersonalizado.
Movimentos e consequências
Companhias modernas buscam modelos de negócios de vendas recorrentes. Isso ajuda a explicar a motivação do elevado volume de investimentos que atraem, assim como o grande volume de M&A entre as empresas de serviços e tecnologia — sobretudo para complementaridade de produtos, mas também para ampliação de mercados FIT.
Com caixa encorpado por financiamentos de todo tipo, as startups que conseguem escalar suas vendas e captar grandes volumes de investimentos passam a adquirir outras startups. Não apenas para terem produtos complementares ou aumentarem suas equipes para seguir crescimento, mas para, principalmente, abrirem espaços em novos mercados, ampliando sua área de atuação e passando a ampliar seus mercados FIT hiperpersonalizados.
Com os menores volumes de produção e produtos mais premium, temos o aumento da desigualdade social. Isso porque consumidores de baixa renda não terão acesso a eles, considerando seus altos preços finais no varejo. Como consequência, também são gerados os excluídos digitais, os desbancarizados, os excluídos da biomedicina, os excluídos dos produtos orgânicos, os excluídos pelo FIT. Enfim, os excluídos pela hiperpersonalização.
Como todo grande movimento, também são criadas oportunidades. Eis que vivemos um nível de geração de startups que procuram novas especializações em mercados cada vez mais hiperpersonalizados, ampliando a microconcorrência e levando a uma corrida em busca dos novos empreendedores, sufocando principalmente o segmento de educação, que precisa se reinventar nesse contexto.
Essa hiperpersonalização terá um limite, e a expansão da tecnologia nessa espiral conhecida encerrará, assim como a Lei de Moore vem sucumbindo nos últimos anos. Ela se manterá até que o mapeamento completo do DNA de uma grande parcela dos consumidores de todos os continentes esteja devidamente catalogado — e, assim, passaremos a ter uma necessidade própria para cada pessoa, em cada contexto.
Resta-nos imaginar quantas empresas e quais empreendedores serão os vitoriosos nesse contexto, que visa encontrar aquilo que realmente nos torna únicos na face da Terra. Ou, mesmo, empreender e participar do ciclo de novas descobertas ao longo dessa jornada.
*Chief Revenue Officer (CRO) da PipeRun
Companhias modernas buscam modelos de negócios de vendas recorrentes