E se a cidade tivesse permanecido como nos anos 1980 e 1990?
Tomei conhecimento, com atraso, da pequena polêmica que se seguiu à publicação de um post do colega Fernando Dourado sobre a cidade de Gramado, em janeiro deste ano. Nele, o blogueiro de AMANHÃ pergunta aos leitores se o destino turístico “é um templo do brega”. “Vocês conhecem, vocês me dirão”, conclui ele, não sem antes mencionar supostos pecados da cidade, como “artificialismo”, museus sem curadoria, aspecto fake e preços altos. O que, naturalmente, foi motivo para alguns comentários no site e na edição impressa da revista (leia aqui). De fato, Gramado mudou muito dos anos 1980 e 1990 para cá. Antes dependente essencialmente de turistas gaúchos em busca de uma opção de passeio no inverno, ao longo do tempo a cidade criou atrações voltadas a públicos diversos e para diferentes épocas do ano, tornando-se um destino nacional.
Concebeu o Natal Luz, para competir com o litoral no início do verão; instalou parques e museus temáticos; aumentou a rede hoteleira e variou as opções gastronômicas, antes essencialmente calcadas na culinária da imigração alemã e italiana. Nesse processo, deixou um pouco para trás, sim, o aspecto de cidade de interior, lembrando uma versão brasileira de Las Vegas, como menciona Dourado. Mas, nessa trajetória toda, eu vejo mais mérito do que heresia, ao menos do ponto de vista empresarial. Para começar, a Gramado “original”, que se tornou destino turístico de décadas passadas, de original não tinha nada. Desde o início a padronização arquitetônica e o desenvolvimento de certos atrativos naturais, como o lago Joaquina Bier, foi pensada para atrair turistas; não foram manifestação espontânea das preferências estéticas dos habitantes nem presente de Deus. Gramado é um empreendimento em forma de cidade – e nada mais previsível, portanto, que tivesse de se adaptar para sobreviver.
Com isso, em algum momento viu-se diante de uma ameaça e uma oportunidade: ficar estagnada em seu apelo estadual, com estadias de poucos dias e potencial econômico restrito, ou aproveitar seus diferenciais para atrair visitantes de todo o Brasil. Para isso, não poderia limitar seus pontos turísticos aos de sempre, pois nenhuma viagem nacional se justificaria por meia dúzias de lugares. A solução, então, foi adicionar novos atrativos, mesmo que estes soassem menos “reais” e “autênticos” que os anteriores. Era o preço para fazer valer a mudança de patamar almejada. O resultado está aí. Hoje, Gramado é o segundo maior segundo destino turístico do Brasil, só atrás do Rio de Janeiro. Fosse a mesma Gramado de sempre e se estaria comentando que parou no tempo, ou que o empresariado local é conservador e sem visão. Como aconteceu justamente o contrário, a crítica é ao tal turismo-pastiche que pretensamente representa. Há, sim, o risco de que a superexploração do local torne a vida de moradores e o desfrute turístico piores. Trata-se, contudo, de uma questão empresarial também, como tantas que o município já enfrentou: o afluxo de turistas diminuirá se a experiência piorar.É detectável a tempo de ser evitado. Assim, por mais que nosso lado turista talvez não simpatize com a Gramado de hoje, nossa porção empresário ou marketeiro tem de reconhecer seus méritos.
E se a cidade tivesse permanecido como nos anos 1980 e 1990?