Ou só se for imprescindível
A pesquisa de satisfação da concessionária em que minha esposa fizera a manutenção periódica do carro encaminhava-se para o final quando a entrevistadora perguntou: “o que podemos fazer para encantá-la?”.
Meio sem reação, ela respondeu o óbvio: “não sei. Se for algo esperado ou solicitado por mim, deixa de encantar…”.
Verdade. O encantamento do cliente, nível mais alto de satisfação que um consumidor pode alcançar, pressupõe, sim, a surpresa, o inesperado, a exceção. Se uma empresa inquire sobre como pode encantar, na prática está perguntando como pode surpreender. E surpresas esperadas não são surpresas.
Mas o que mais chama a atenção nesse episódio é a atração que o conceito de encantamento desperta em certos gestores e empresas. Satisfazer, simplesmente, não basta?
Deveria, como bem mostram três autores a partir de um rápido P&R a respeito do assunto:
P: “Com que frequência alguém prestigia uma empresa só porque o atendimento é fora de série?”.
R: “Provavelmente, não serão muitas”.
P: “Quantas vezes um consumidor abandona uma empresa devido a um péssimo atendimento?”.
R: “O tempo todo”.
Eles continuam: “(…) a lealdade tem muito mais a ver com a capacidade da empresa de honrar sua promessa básica do que com o espetacular (…). [E]ncantar o cliente não produz fidelidade; reduzir seu esforço (…), sim. [S]uperar expectativas do cliente (…) só o torna marginalmente mais fiel do que quando suas necessidades são simplesmente satisfeitas” (Dixon, Freeman & Toman, Harvard Business Review Brasil, agosto 2010, p.58 e 59).
Por que, então, não simplesmente preocupar-se em satisfazer? Arrisco uma explicação. Gestores não convencem superiores e subordinados de sua competência quando sua preocupação se restringe ao essencial, a fazer funcionar perfeitamente uma engrenagem, sem falhas ou excessos. Tal qual um goleiro, que precisa de defesas espetaculosas para ser percebido, administradores voltados ao feijão-com-arroz só aparecem quando são substituídos por outros que não dão conta do recado. São notados na ausência, nunca na presença, o que numa cultura individualista como a ocidental pode representar uma limitação às ambições de ascensão profissional.
Além disso, incentivar o encantamento ajuda a construir uma ideia de propósito numa organização, a engajar funcionários e a tornar o trabalho menos trivial e mais significativo. José Galló construiu a Renner em torno dessa ideia, e orgulhava-se de a empresa ter acumulado mais de 800 mil histórias de encantamento registradas. Era uma bandeira da companhia. Mas ele mesmo reconhecia, nas entrelinhas, que o sucesso da varejista não vinha exclusivamente desse mote, e sim de escolhas estratégicas felizes e da competência operacional em áreas bem menos visíveis e marketizáveis que o atendimento em loja.
Ou seja, até ele sabia que por trás dos bons índices alcançados no famoso encantômetro, havia outros tão altos ou maiores no basicômetro do dia a dia.
Ou só se for imprescindível