Análise é do professor Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral, que falou a empresários em Curitiba
O ano 2022 será de gestão de risco, o que significa que os agentes econômicos não vão buscar performance, e sim resiliência e resistência, disse em Curitiba o professor Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral (FDC), que falou a empresários a convite da JValério Gestão e Desenvolvimento. Mas essa é apenas a consequência imediata desses novos tempos. A médio prazo, o mundo está definindo novas forças hegemônicas. “O planejamento empresarial deve olhar para os cenários, as crises que vivemos, pensando no futuro. Avaliar as matrizes de impacto e prováveis planos de ação”, observou, destacando os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia entre os principais desafios a superar.
Para ele, a crise na Ucrânia encerra um ciclo de tecnologia e marca um novo ciclo histórico de formação de uma nova potência hegemônica. Seu modelo de análise baseia-se nas teorias dos ciclos hegemônicos e dos ciclos tecnológicos, essa última desenvolvida por Nikolai Kondratiev. “No caso dos ciclos hegemônicos, o que se observa nos últimos 500 anos é como o poder político mantém o poder econômico (e vice-versa) e como isso cria potências hegemônicas, que são trocadas a cada 100 – 150 anos, sendo a atual os Estados Unidos. A historiografia que trata dos ciclos tecnológicos aborda como eles têm evoluído nos últimos 250 anos por meio de ciclos ou revoluções em períodos de 50 a 60 anos cada. O que eu fiz foi pegar as duas historiografias e fazer uma extrapolação, ou seja, como seria o cenário futuro com base na combinação das duas análises”, explica.
O que o modelo extrapolado revela, segundo ele, é que estamos vivendo uma década de transição, no final de um quinto ciclo tecnológico, ambiente que sempre gera uma série de conflitos. Isso força o capitalismo a se reinventar, nesse momento, a partir da tecnologia. O que esse cenário trouxe mais fortemente foi uma guerra fria entre Estados Unidos e Rússia e entre Estados Unidos e China. “É um final de ciclo tecnológico, em que tempos desesperados requerem medidas desesperadas, nos quais as pessoas investem em soluções que nunca tinham tentado. E quando se investe centenas de bilhões de dólares em tecnologias que vão gerar mais 50 anos de prosperidade.”
Leia a seguir a entrevista com o professor Paulo Vicente.
Em que fase está a potência hegemônica atual?
No meio do caminho. Ela começa a se estabelecer com esse papel em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e matematicamente ingressa num ciclo de 100 a 140 anos, com a média de 120. Espera-se que o fim desse ciclo aconteça por volta de 2065, quando iniciaríamos outra fase de transição para uma nova potência hegemônica. Não dá para estimar quem seria essa próxima potência hegemônica, mas tenho cinco candidatos.
Quem seriam?
Primeiro os “Estados Unidos da Europa”, ou seja, uma Europa Unificada incluindo Reino Unido e parte da Rússia, nos próximos 40 anos. O segundo candidato seria “Los Estados Unidos”, uma potência que unificaria os Estados Unidos à América Latina, com a diferença que seria uma potência latinizada de dentro. O terceiro candidato seria a China e suas “colônias” na África, processo em andamento, visto que a China não para de crescer e projeta a busca de recursos no continente africano. A quarta potência provável é a Índia e suas “colônias” também na África. Assim como a China, a Índia tem problemas de falta de recursos e precisa buscá-los fora do seu território. Estima-se que a China atinja o pico de seu modelo de crescimento nessa década e a Índia tem margem para ultrapassar os chineses como grande motor de crescimento do mundo. O quinto e último candidato é o Brasil, fundido à América do Sul. Estamos numa marcha para o Pacífico, como aconteceu com os Estados Unidos no século 19, e a expansão da fronteira agrícola vai nos levando para dentro dos vizinhos. Isso vai levar à integração econômica e demográfica da região, mas não necessariamente à uma integração política.
Você aposta em um desses cinco candidatos em potencial?
É difícil afirmar qual deles tem condições de ser a potência hegemônica, mas, em ciência, o mais divertido é o debate sobre o tema. Os cinco movimentos estão acontecendo ao mesmo tempo. Há uma corrida colonial por recursos, puxada por países asiáticos como China e Índia, e há a integração econômica e demográfica e, em alguns casos, até políticas, mas existem também relações contraditórias entre tamanho e flexibilidade. É bom fazer uma União Europeia porque aumenta o poder de barganha dos países. Há grandes vantagens em se fazer a integração como a do Mercosul ou como fizeram os Estados Unidos ao longo de sua história. A dificuldade é como manter os interesses locais. Os Estados Unidos fizeram isso bem, com a federalização dos 50 estados, onde cada um tem a sua constituição. É preciso ter a vantagem da grande escala, sem tirar a flexibilidade.
Nessas mudanças de busca de recursos na África por parte da China, o Brasil não perde espaço?
O que a China está fazendo nada mais é do que a diversificação de fornecedores. Ela não quer depender somente da América do Sul, quer depender menos da região que fica distante do ponto logístico e militar. Não dá pra comparar com o domínio que ela exerce, por exemplo, no Mar do Sul da China. O processo de expansão para busca de recursos tem uma lógica. Primeiro, começa apenas com a importação. Se a dependência aumenta, passa-se para o investimento, com estabelecimento de empresas, compra de terras locais, portos. A fase seguinte envolve a ativação de bases militares, de forma a proteger as rotas e defender os interesses militares. E, por fim, estabelece-se o monopólio por meio de protetorados ou colônias.
Como o Brasil se torna candidato a potência hegemônica?
Temos a marcha do país para o Pacífico, com o deslocamento da população puxado pelo agronegócio. Há várias fases nesse processo. A primeira é a busca por terras mais baratas e férteis, etapa encerrada, com a sobra de terras piores. A segunda fase estamos vivendo há 40 anos e envolve a produção maior, ou seja, mais produtividade. Foi fundamental nesse processo o papel da Embrapa e da expansão da infraestrutura, como as estradas, além do avanço do sistema bancário e outras estruturas como a educacional. Existe um ecossistema de produção e de escoamento que tem mais 15 anos pela frente, puxado pela agricultura de precisão e investimentos em infraestrutura. A próxima fase é como crescer, e esse crescimento deve ser liderado pela agroindústria. Ou seja, pega-se o insumo e se industrializa, agregando tecnologia e marketing. O exemplo clássico é o chocolate belga e o suíço. Os dois países tinham gado leiteiro, mas com a importação de cacau e açúcar dos Trópicos, criaram uma indústria de chocolates.
Parece clichê, mas estamos falando em valor agregado?
Sim. A França não vende uvas da região de Champagne e sim o Veuve Clicquot. O cinturão do milho nos Estados Unidos criou o corn flakes e o vendeu como solução para o café da manhã. Ganha-se muito valor, multiplica-se por 20 a 30 vezes o valor do produto. A soja bateu o preço de R$ 180 a saca de 60 quilos. Ou seja R$ 3 reais por quilo. A carne vegetal, baseada em soja, pode ser vendida a R$ 90 o quilo. É muita coisa. Se pegarmos a safra brasileira, estimada em US$ 2 trilhões, podemos multiplicá-la para um valor de dezenas de trilhões.
Como fica a questão ambiental?
Há uma grande reclamação externa e com razão, porque estamos pegando cada vez mais terras menos produtivas sem ganho algum e jogando mais commodities no mercado, ao invés de produtos com valor agregado. Quanto mais commodities, menor o valor pago por eles. É uma burrice. É preciso industrializar esses produtos básicos e certificá-los internacionalmente, com selos ambientais. O Brasil tem ótimas leis nessa área e a maior cobertura vegetal percentualmente falando, mas não se divulga isso. Parte do agronegócio já entendeu o que é necessário fazer, mas tem outra parte que ainda não entendeu que é necessário agregar valor e fazer propaganda, investindo em tecnologia e marketing.
E em termos de ciclos tecnológicos, onde estamos?
Há três grandes eixos que moldam o mundo atual: o da robotização e Inteligência Artificial; o de novas fontes de energia e novos materiais; e o da melhoria humana. O primeiro reduz a necessidade de mão de obra, num mundo em que o crescimento da população se estabiliza e a mão de obra fica mais qualificada. No caso da procura de novas fontes, vamos reduzir a pegada de carbono e de lixo, inclusive com a exploração espacial, saindo da Terra. No terceiro eixo, temos o aumento da longevidade, o que significa valorização do capital intelectual por mais tempo.
Análise é do professor Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral, que falou a empresários em Curitiba