As armadilhas no desenvolvimento das novas versões de antigos produtos digitais

Sua empresa está pensando em refazer seu antigo sistema digital? Conheça as armadilhas mais comuns para que possa evitá-las e construir uma estratégia de sucesso

Os sistemas que estão iniciando seu desenvolvimento hoje em dia têm a oportunidade de nascer já com novos paradigmas de tecnologia e de experiência incorporados

O mercado de tecnologia no Brasil é formado em grande parte por empresas que desenvolvem sistemas de gestão empresarial, os chamados ERPs (Enterprise Resource Planning). Segundo pesquisa de 2018 da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), são 54 mil empresas de ERP distribuídas em todo o território nacional. São sistemas que, em sua maioria, tiveram suas primeiras versões desenvolvidas no início da década de 1990 com o objetivo de informatizar as organizações, auxiliando-as em suas rotinas administrativas. Primeiramente o foco era na gestão de fluxo de caixa, folha de pagamento, compras e outras funções contábeis. Com o tempo, foram crescendo e incorporando mais funcionalidades para atender outras áreas como operacionalização de chão de fábrica, reposição de suprimentos e estoques e demais necessidades relevantes para o andamento do negócio. A certa altura, os ERPs começaram a se especializar em verticais — ERP para varejo, para indústria, hospitais, etc. Atualmente é muito difícil encontrarmos no mercado alguma organização que não utilize nenhum sistema de gestão que as apoie.

Ocorre que dos anos 1990 para cá houve uma revolução digital que transformou a sociedade. Estamos todos hiperconectados em tempo real. A chamada informática que antes era prerrogativa de ambientes corporativos hoje é onipresente e em um outro patamar de sofisticação. Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT) e Big Data são apenas alguns exemplos de novas tecnologias que já estão em uso e impactam as nossas vidas de forma crescente, mesmo que a gente nem perceba.

Sou diretora da Hypervisual, empresa de consultoria em design de experiência para a área de TI que atua complementando as equipes de desenvolvimento de sistemas levando a perspectiva do usuário final. Atuamos desde 1996 acompanhando as transformações de mercado. Atualmente trabalhamos tanto com projetos que utilizam tecnologia de ponta quanto também com sistemas legados — é como chamamos as plataformas que foram desenvolvidas há anos atrás e, mesmo estando obsoletas, seguem em uso nas companhias por fatores diversos, tais como muitos ERPs do mercado. Os sistemas que estão iniciando seu desenvolvimento hoje em dia têm a oportunidade de nascer já com novos paradigmas de tecnologia e de experiência incorporados (nem sempre o fazem, mas isso é tema para outro artigo). Já as que estão há mais tempo no mercado enfrentam grandes desafios para permanecerem relevantes. Elas contam com a vantagem de ter um conhecimento aprofundado do negócio de seus clientes e também estão “entranhadas” em toda a operação. Quem já vivenciou a troca de ERP em sua empresa conhece o desgaste que isso provoca. Só a ideia já assusta. Por pior que seja, o sistema vigente já é conhecido e dominado. A resistência do cliente final a mudanças é um dos principais fatores de retenção. No entanto, do ponto de vista de negócio, contar apenas com isso é extremamente arriscado.

Partindo dessas considerações, resolvi compilar quatro situações que já vi acontecer em algumas organizações e que considero verdadeiras armadilhas. Através destes relatos, tenho a pretensão de sensibilizar a alta gestão de outras empresas que, ao se identificarem com os acontecimentos, possam refletir e iniciar um processo de mudança bem estruturado. Descrevo a seguir duas delas.

Armadilha 1 — Deixar para começar quando já se está perdendo mercado
Primeiro, ressalto que empresas que estão atuando há muito tempo merecem o nosso respeito. Foram pioneiras em sua época e construíram uma história de sucesso, conquistando mercados, gerando empregos e movimentando a economia. Com isso, já possuem uma grande base de clientes e faturamento estável. Além disso, suas rotinas já são bastante atribuladas. Existe muita pressão: precisam dar conta de manter o negócio do cliente operando, com mão de obra escassa, disponibilizando suporte e manutenção constantes e um log de tarefas que parece crescer exponencialmente. A pergunta que fica é: faz sentido o esforço de mudança em um ambiente já tão complexo em uma empresa que é saudável? A resposta é sim. Justamente a prosperidade do negócio é que dará as condições necessárias para uma transformação bem alicerçada. Quando percebemos que estamos perdendo mercado costuma ser tarde demais. Não temos mais tempo nem dinheiro para uma estratégia bem estruturada de transformação. Alguns exemplos notórios como Kodak, Blockbuster e Blackberry — citando apenas três de muitos outros — já comprovaram que a posição de estabilidade pode ser traiçoeira. É preciso uma certa dose de visão e humildade para reconhecer que o momento é outro. O que foi feito até agora é digno de orgulho e reconhecimento. Mas daqui para frente é uma nova história a ser construída. Se a sua empresa de ERP segue próspera, esse é o momento ideal de iniciar um processo de renovação. Não espere ficar obsoleto para iniciar.

Armadilha 2 — Reproduzir velhos paradigmas com novas tecnologias
Essa é uma situação relativamente usual. A empresa entende que precisa renovar e decide iniciar o processo. Ocorre que a cultura dessas organizações costuma ser predominantemente técnica, justamente por terem nascido em uma época pré-revolução digital. Com isso, a ênfase dada é na atualização tecnológica. Após muitos anos de especialização em um ferramental, a equipe precisa incorporar novos conhecimentos. Quem já acompanhou o processo de decisão de adoção de uma nova tecnologia sabe do que estou falando. A responsabilidade na escolha é grande. Tudo o que for definido nesse momento deverá sustentar a empresa pelos próximos anos, um verdadeiro casamento. E uma vez definida, as equipes passam a se capacitar, aprender novas linguagens, adotar frameworks do momento, enfim, tomar uma série de atitudes nessa direção. A carga depositada na renovação tecnológica é tanta que acaba ofuscando outros aspectos tão relevantes quanto. Claro que a renovação tecnológica é fundamental, mas ela por si só não se sustenta. O resultado é que no novo ERP acabam sendo transpostos os mesmos paradigmas do modelo anterior de desenvolvimento e interface. Na prática, é quase como se fosse o mesmo sistema, porém com uma aparência um pouco mais moderna, carregando todos os vícios e práticas antigas mascarados como algo supostamente novo. O esforço na renovação de sistemas legados é enorme e só se justifica se for visto como uma oportunidade de preparar a empresa para o futuro do negócio. Um produto digital não é apenas um conjunto complexo de algoritmos. Ele precisa estar conectado a negócios e pessoas para entregar, de forma simples e direta, algo de valor. O conceito é simples, porém sua aplicação não. Requer uma boa dose de desapego de anos de práticas que precisam ser repensadas. Se sua empresa já tomou a difícil, porém vital, decisão da mudança, faça valer todo o investimento de tempo, dinheiro e expectativa e acolha essa transformação com tudo o que isso representa.

Em breve irei compartilhar o que considero ser as demais armadilhas. Enquanto isso, aguardo seu comentário em relação às já descritas. Você se identificou ou viu acontecer em alguma empresa? Compartilhe a sua experiência!

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