Jimmy Carter, Pepe Mujica e a sina dos políticos idealistas
Muito antes de o uruguaio Pepe Mujica virar ícone do desprendimento progressista global, um outro político ergueu bandeiras em prol do meio-ambiente, dos direitos humanos e da austeridade. E o mais interessante: nasceu e viveu na pátria da fartura, os Estados Unidos.
Jimmy Carter, morto no último sábado de dezembro aos 100 anos, não era propriamente um asceta, ao contrário do ex-guerrilheiro tupamaro, mas jamais deixou de se comportar com frugalidade – tanto na Casa Branca, que ocupou de 1977 a fins de 1980, quanto na esfera privada, pré e pós-presidência. Seu mandato, inclusive, ficou bastante conhecido por um pronunciamento em rede nacional exortando seus compatriotas a adotarem uma existência menos materialista.
Sob ameaça de desabastecimento de petróleo, em função da crise no Oriente Médio, toda a economia e o estilo de vida norte-americanos estavam em xeque, gerando uma “crise de confiança” inédita desde o pós-guerra – título, aliás, de seu speech em rádio e TV. Carter achou por bem aproveitar a situação para tocar em temas sensíveis à mentalidade de seus concidadãos e, quem sabe, estimular uma mudança mais profunda na alma americana.
“(…) [M]uitos de nós começaram a cultuar a autoindulgência e o consumo. A identidade de um ser humano não é mais definida por aquilo que alguém faz, e sim pelo que tem. Mas (…) ter e consumir não satisfaz nossa necessidade de significado. Acumular não preenche o vazio de vidas que não contam com nenhuma confiança ou propósito”, afirmou o comandante-em-chefe.
Bonito, não? Bem, os norte-americanos não acharam. Tanto que um ano e meio depois negaram-lhe a reeleição e puseram Ronald Reagan em seu lugar. Ex-ator de faroeste, o republicano garantia que os Estados Unidos não deveriam renunciar a nada. Pelo contrário: era hora de reforçar o american way of life que os tornara a nação mais próspera do século 20. Carter deixou o cargo com uma das maiores desaprovações de todos os tempos.
Proscrito da vida política, o democrata voltaria à minúscula cidade natal, na Geórgia, para se dedicar ao trabalho voluntário e à Igreja Batista, onde ministrava aulas quinzenais a fiéis. Continuou morando na mesma casa de dois quartos em que sempre residiu com a esposa, Rosalynn. Tornou-se maior e mais respeitado depois que saiu da presidência, reforçando a ideia de que a política valoriza figuras pragmáticas, e não idealistas. Transformar corações e mentes é menos uma tarefa presidencial do que uma missão de vida – tanto que, desprezado nas urnas, Carter acabaria recompensado com o Nobel da Paz de 2002.
Em entrevista recente, Pepe Mujica foi bastante sincero a respeito da comoção que desperta mundo afora: “as pessoas me admiram, mas não me copiam”.
Jimmy Carter poderia dizer o mesmo.
Jimmy Carter, Pepe Mujica e a sina dos políticos idealistas