E é por isso que os drones de entrega da Amazon ainda não decolaram
Dois mil e vinte e três traz consigo uma efeméride incômoda para uma das mais bem-sucedidas empresas deste século, a Amazon. Completa-se neste ano uma década do anúncio do lançamento do serviço de entregas por drones da varejista digital, que funciona a pleno vapor apenas em College Station, município do Texas de 120 mil habitantes, e em praticamente nenhum outro lugar. Um caso típico de inovação que ainda não saiu do papel porque a realidade impõe obstáculos imprevisíveis, quando não intransponíveis. Quais obstáculos? O New York Times esclarece: “Apenas um item pode ser entregue por vez. Ele não pode pesar mais de 2,26 quilos. Nem ser grande demais (…) nem quebrável, já que o drone libera o item a uma distância de 3,6 metros do chão. Os drones não podem voar quando está muito quente, ou ventando demais, ou chovendo bastante”. Parece pouco? A lista de restrições vai além: “Você precisa estar em casa para determinar o lugar onde a entrega deve pousar e garantir que ninguém pegue sua encomenda, ou que ela role para o meio da rua”. Que tal pousá-lo no quintal, então? Ótimo, “a não ser que ele tenha árvores”.
Como bem escreveram dois pesquisadores 20 anos atrás (ou seja, 10 antes de a Amazon falar em drones entregadores), implementar ideias é lidar com detalhes, justamente aqueles nos quais costuma residir o diabo, como sugere o título de seu artigo (amostra aqui). À luz do que prescrevem ambos, além de outras fontes consultadas por este blogueiro, os problemas enfrentados pela empresa de Jeff Bezos parecem perfeitamente normais e contornáveis, desde que a companhia siga algumas recomendações. A primeira: desistir da perfeição. É preciso testar ideias iniciais, como aparentemente está ocorrendo na tal cidade texana. A segunda: a execução é diferente da rotina operacional, pois exige um líder que deve ser respaldado, incentivado e motivado. Terceira: a implantação será melhor se o planejamento contiver cenários (“e se…?”) e especificar o “como fazer”. Pois daí poderá se valer de pontos de checagem (teste de mercado, vendas do primeiro mês, aprovação do órgão regulador etc.) nos quais as premissas contidas no PowerPoint serão confrontadas com a realidade.
A rigor, o relativo fracasso do serviço de entregas por drones da Amazon só virou pauta da mídia porque foi vendido pela empresa como uma ficção científica a ser tornada realidade, num caso típico de overpromise. Nada muito diferente do que se falou a respeito de carros autônomos, metaverso, inteligência artificial e todas as outras novidades do Vale do Silício, como relembra a matéria do Times. Daí que uma quarta recomendação pudesse ser acrescentada ao rol do antepenúltimo parágrafo: cau-te-la. Ela pode não ser exatamente uma mobilizadora das paixões corporativas no rumo da concretização de planos, mas ao menos evita que, uma vez as coisas fracassando, não virem motivo de chacota por aí.
E é por isso que os drones de entrega da Amazon ainda não decolaram