Macron, na França, me é familiar

Aqui no Brasil, ele é bem outro

Quando Macron passou hoje a metros da minha casa, me ocorreu que, se pudesse, lhe teria agradecido pelos serviços públicos franceses que, em 2020, me salvaram a vida

1. Ontem à noite eu estava comendo uma rabada com agrião, que pedira ao dono de um boteco dos Jardins que guardasse para o jantar. Então, uma comitiva irrompeu com pompa rua abaixo. Era Macron que passava no meio de uns 15 carros pretos, tornando impossível saber em qual deles ele estava. Por um momento, tive saudades da França. Lá, ele me é tão familiar, trabalhou com amigos que tive tanto no Ministério da Fazendo quanto no Banco Rothschild. Aqui, ele é bem outro.

2. Quando vim ao mundo, o Presidente da República da França era o general De Gaulle. Altíssimo, solene, falava do seu país como quem fala da mulher amada. Orgulhoso, herói de guerra, papai contava que ele perdera uma filha, o que lhe marcaria a alma dolorosamente. Reagiu mal aos sacolejos do maio de 1968 em Paris e se retirou numa cidadezinha, onde morreu. Lembro do dia. Meu pai brincou dizendo que devido à altura desproporcional, tinham trazido o caixão de Paris para o enterro.

3. Quando cheguei à França pela primeira vez, o Presidente se chamava George Pompidou. É claro que eu era influenciado pelas pessoas mais velhas que me cercavam. Elas o criticavam por motivos prosaicos que, mais adiante, se tornaram tangíveis: a construção da Torre Montparnasse e a destruição do mercado de Les Halles, no coração de Paris. Pompidou era arguto e corajoso. Sacudiu a diplomacia e aproximou a França dos Estados Unidos. Morreu no exercício do poder.

4. Depois veio Giscard D’ Estaing, durante cujo mandato fui várias vezes à França. Giscard para mim tinha um ar da França profunda e antiga. Era professoral e diziam que chamava a esposa de “vous”, portanto “a senhora”. Seu período foi marcado por uma espécie de choque de austeridade. Quando morreu de Covid poucas semanas antes da vacinação na França, o país se lembrou do homem galanteador, que, voltando para o Palácio depois de uma balada, atropelou o leiteiro do Elysée.

5. Depois de perder para De Gaulle e para Giscard, o socialista Mitterrand chegou à Presidência onde ficou durante 14 anos. Ex-militante de direita na juventude –, o que para mim é um dos pecados mais imperdoáveis, tanto quanto ser de esquerda depois de maduro –, redimiu-se com extravagâncias. Nacionalizou bancos e instituiu o sonho francês: a aposentadoria na puberdade. Tinha uma relação “aberta” com a esposa Danielle e, perto de morrer, cuidou do legado como faria um faraó.

6. O sucessor foi Jacques Chirac. Sendo o mais simpático de todos, esteve à altura da função. Menos imperial do que os antecessores imediatos, foi prefeito de Paris e Primeiro-Ministro antes de chegar ao Elysée. Bom copo e bom garfo, era a grande atração da feira agrícola que acontece todo ano em Paris, em que saía provando queijos e salames. Namorou com Claudia Cardinale por um bom tempo e ficaram famosas na França as crises de humor da esposa Bernadette.

7. Nicolas Sarkozy foi o sucessor de Chirac. Todo presidente francês é marcado pela sua história e por sua vida amorosa. Isso é indissociável da cultura francesa. Nesse capitulo, o pequeno Sarkozy, descendente de húngaros, amargou um revés ao ser abandonado pela esposa Cecilia nas primeiras semanas de mandato, depois de vê-la apaixonar-se por um publicitário que morava em Nova York. Menos mal que logo conheceu Carla Bruni que fez com que esquecêssemos outros pecadilhos.

8. François Hollande tampouco passou do primeiro mandato. Grande articulador do Partido Socialista, foi casado com Ségolène Royal, uma política de voo próprio e de imenso carisma. Com a separação, elegeu-se Presidente ao lado de Valérie Massonneau que, tomada de ciúmes diante da ascensão fulgurante do marido, implodiu o casamento. O velho lobo logo a substituiu por uma jovem atriz. Fraco e hesitante, falou demais e, erroneamente, desistiu de uma reeleição possível.

9. Foi assim que veio Macron à baila, que hoje passou pela rua, indiferente à minha rabada com agrião noturna. Lembro do dia em que um amigo chegou ao restaurante Vins et Marées, em Paris, e me disse que soubera de fonte segura, nos corredores de Bercy, como é conhecido o Ministério da Fazenda, que Macron renunciaria diante do vácuo que se abriu na sucessão. Com a queda de Fillon, Juppé e do próprio Hollande, Macron farejou o espaço e ocupou-o com seu “Em Marche”.

10. Desde que nasci, o Brasil teve 16 presidentes contra os oito franceses acima citados. Lá como cá, tenho meus favoritos: FHC aqui e Chirac lá. Por uma razão que desconheço, sempre sinto alguma emoção quando ouço os franceses terminarem seus pronunciamentos com um “Vive la République, Vive la France!”. Quando Macron passou hoje a metros da minha casa, me ocorreu que, se pudesse, lhe teria agradecido pelos serviços públicos franceses que, em 2020, me salvaram a vida.

Voilà!

Aqui no Brasil, ele é bem outro

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